Reino de Yuan, Mar Gélido

No meio do Mar Gélido era possível ver, com os olhos bem apertados, um imenso navio negro. Da Quilha ao Grande Mastro a embarcação era revestida por uma cor tão escura e profunda como a noite, que quem olhasse de longe podia imaginar serem rochas ou então uma intensa miragem ao longo da navegação pelo Mar Gélido. Da proa a popa tiras longas de um dourado invejável cobriam a área externa e representavam a fartura do Reino de Yuan. A nau velejava com uma velocidade fora do comum e natural, afinal, as embarcações do domínio de Yuan sempre foram as melhores, a questão principal é que os navios do Reinado Invernal só eram utilizados em duas situações. A primeira, em questão de guerra. E a segunda, escolta. Não qualquer escolta, apenas membros da família real ou um emissário enviado para outro reino.

O Navio Presságio da Morte, como chamavam em Yuan, acomodava o Príncipe Herdeiro de Yuan, Shi Rong. O rapaz das neves estava muito bem ali. Suas vestes o protegiam do vento gélido que o acertavam com força. O couro e as peles de ursos o revestiam com cuidado, envolvendo-o em calor. Seus longos cabelos, parcialmente trançados, ondulavam suavemente por suas costas largas. Os dedos batucavam nervosamente sobre a proa onde ele tentava aguardar pacientemente, em vão, o fim da viagem imprudente que estava fazendo. Um Príncipe Herdeiro que decide se tornar um nada para viver em outro reino realmente era uma piada, mas ele pouco se importava.

Um rapaz sorridente se aproximou. Era Quon, o servo pessoal do Príncipe Herdeiro de Yuan. Em trajes finos de Hanfu, vestimenta comum no Reino de Han, acima de suas roupas um pesado casaco de peles de ursos pardos o aqueciam. Seus cabelos em um perfeito rabo de cavalo ondulavam com a ventania violenta que cercava toda a navegação e os tripulantes distribuídos pelo convés. O rapaz que era alto o suficiente, mas baixo o bastante ao lado de Vossa Alteza Shi Rong, se agachou ao seu lado e sussurrou próximo a orelha esquerda de seu mestre.

— Vossa Alteza, recebemos uma informação interessante — disse enquanto se esforçava para manter o sorriso longe de seu rosto. Shi Rong o encarou, ouvindo sua voz vibrar próximo a um sorriso. Shi Rong arqueou uma sobrancelha ainda sem entender.

— Que informação, Quon?

O rapaz rodeou o corpo de Shi Rong, ainda agachado, e parou em sua frente, com os olhos baixos e os lábios trêmulos, ele queria muito sorrir e dar uma gargalhada exagerada, mas se conteve. Retirou de dentro de sua veste fina e entregou ao príncipe um pequeno papel amarelado com algumas informações secretas. Os espiões que foram implantados pelo príncipe eventualmente lhe enviavam informações através da águia mensageira.

Shi Rong olhou para o minúsculo papel amarelado onde letras miúdas informavam os recentes acontecimentos da Capital de Han, a Cidade de Shanyao. Seus olhos se movimentavam através dos caracteres han e seus lábios instantaneamente vibraram em um sorriso e em seguida por uma gargalhada extremamente alta, arrancando de Quon uma risada baixa e descontrolada.

— Eu não acredito — conseguiu dizer por fim.

Quon assentia freneticamente como se dissesse ”é verdade, mestre ”.

— Aquela garota vai me matar — ria enquanto jogava a cabeça para trás e se divertia com a informação que estava em suas mãos — E temos as informações de quem espalhou esse rumor divertido? — Seu servo balançou a cabeça de forma negativa, mas Yuan Shi Rong possuía suas suspeitas.

”Há rumores de que nenhum príncipe na capital é capaz de fazer um trabalho digno de governante, exceto a Primeira Princesa. ”, leu novamente em sua mente. Cada palavra parecia saborosa em seus lábios. Ele sorriu.

Erguendo—se abruptamente, e seu servo caindo de bunda no convés, o príncipe marchou até o comandante da guarda e do navio Presságio da Morte. Ele precisava chegar ao Reino de Han imediatamente.

Em uma reverência formal, o comandante perguntou quais eram as ordens. E o príncipe as deu com aquele sorriso cruel — Precisamos chegar ao Reino de Han em menos de uma semana — a ordem sendo possível ou não, fez com que o comandante se curvasse em uma reverência e o levasse a gritar ordens aos seus subordinados.

Shi Rong caminhou lentamente até a proa mais uma vez. Os pés mais firmes no convés do que anteriormente. Nada o fazia desequilibrar, ao contrário de seu servo Quon. Seu coração pulsava fortemente contra o seu peito, ele podia jurar que sua pulsação estava na garganta e prestes a sair pela boca. Seu maxilar travado, com força, mantendo a calma de forma externa. Por dentro ele era apenas confusão. Suas mãos apoiaram nas bordas da proa, e ele inclinou levemente seu corpo para frente, as mãos envolveram firmemente a madeira, seu coração estava extremamente ansioso. Ele ansiava por alguém. Shi Rong ansiava por sua amada. A ansiedade o torturava há anos. Desde a última vez que a viu, passaram, então, cinco anos. E ela era tão radiante, deslumbrante e durona. Ela era extremamente corajosa, mas poucos eram os que conheciam verdadeiramente seu temperamento. Por fora, uma casca grossa. Por dentro, um doce mel.

Ele a amava tanto que não se importava de se desfazer de seu título e ser usado por ela.

”Minha Pequena Flor. ”, suspirava dolorosamente em pensamentos.

— Alteza, o comandante avistou algumas pequenas embarcações — informou Quon com a voz preocupada cortando seus pensamentos doces e dolorosos sobre a pequena princesa.

Ainda com as mãos firmes ao redor da borda do navio, ele se impulsionou para trás, consertando sua postura. — E lá vamos nós — seu tom raivoso não surpreendeu Quon. Seu mestre havia desistido de ser um Rei, apesar de ainda viver em ouro, prata e jade, não importava nada disso, desde que sob sua posse ela estivesse. Portanto, para o príncipe, era inadmissível haver interrupções enquanto ele fazia o que precisava ser feito, que era estar ao lado de Li Hua, a Primeira Princesa do Reino de Han. E ele lutaria contra o seu próprio povo se necessário.

— Alteza, devemos enviar uma águia mensageira? — Questionou Quon enquanto olhava para a popa do navio Presságio da Morte, seus olhos bem apertados tentando enxergar se havia, de fato, alguma embarcação se aproximando deles.

— Sim. Envie a eles um aviso. Se eles se aproximarem haverá retaliação.

O garoto assentiu e correu para a cabine do capitão para repassar as ordens e em questão de segundos a águia sobrevoou o navio e mergulhou em direção às embarcações que os perseguiam. O recado havia sido dado. Ninguém ousaria enfrentar o Presságio da Morte, mas talvez em terra firme, onde as chances estariam a favor do inimigo.

Quon correu ao seu encontro, o peito arfando, e o sorriso em seu rosto já dizia ao príncipe o que ele queria saber, mas mesmo assim o servo verbalizou — Eles recuaram.

Shi Rong suspirou, era como se estivesse prendendo a respiração desde que dera a ordem de avisá-los. Ele podia acalmar um pouco os nervos. Aqueles pensamentos negativos e as atitudes estúpidas dos guardas que os perseguiam não deveriam atrapalhar todas as expectativas que ele possuía quanto a encontrar sua garota.

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