Desejo e Poder, O Império de Han

O Princípio dos Problemas

Reino de Han, Posto de Comando Sul

As carruagens da capital se diferenciavam facilmente das que foram construídas no Posto de Comando Sul. A estrutura da cabine era feita da mais nobre madeira de cerejeira, o tom dourado se destacava por quilômetros, não literais, enquanto finas linhas vermelhas decoravam a parte externa da carruagem. Por dentro os bancos acolchoados davam conforto a quem quer que estivesse ali dentro.

Do lado de fora, uma garota, de longos cabelos escuros em uma trança bem apertada, esperava de braços cruzados com as costas apoiadas na estrutura de madeira. Suas vestes finas e um simples casaco de pele em um hanfu branco sem detalhes — roupa tradicional do Reino de Han — anunciavam sua posição de serva. Ao lado da garota mal—humorada estava um rapaz pouco amigável, suas vestes pretas lhe davam um olhar sério e medonho, nas beiradas da manga, um bordado delicado em um branco tão puro que parecia um crime naquele rapaz. O colarinho cruzado possuía um bordado mais elaborado em branco. Seus cabelos estavam puxados em um rabo de cavalo no topo de sua cabeça, e um acessório masculino hanfu prateado o mantendo preso, enquanto seus longos cabelos pretos brilhantes descansavam sobre seus largos ombros deslizando por seu peitoral e pousando em sua cintura. O homem era bonito. Atraía alguns olhares curiosos de moças e rapazes, mas eles não o interessavam. Seu maxilar travado ressaltou sua irritação de estar ali. Porém, era melhor estar ao lado de sua senhorita do que deixá-la viajar sozinha pelo reino.

Dentro da carruagem se encontrava uma princesa. Uma que exalava preocupação e desespero. Li Hua respirava com dificuldade, a ansiedade a corroía de dentro para fora. Era visível sua aflição. Suas mãos abanavam, em vão, seu rosto. Sentia que sua respiração não podia ser consertada. Os olhos fechados fortemente, tentando inutilmente, se acalmar. Havia pouco tempo em que recebera a última carta de Yuan Shi Rong. Ele estava lhe avisando que estaria no Reino de Han para lhe acompanhar por tempo indeterminado.

”Como ele está? Será que ele cresceu? ”, pensava consigo mesma. Fazia tanto tempo que haviam se encontrado. Seus olhos se abriram, escuros como a noite, profundos como o vazio. O simples pensamento de encontrá-lo e abraçá-lo intimamente a fez ruborizar. Ela estava carente por aquele toque. Um contato que valia mais do que tudo naquele mundo. Muito mais do que ouro, prata e jade.

Duas batidas suaves na madeira da carruagem a distraíram brevemente, alguém estava tentando se comunicar com ela. Erguendo o grosso tecido vermelho cornalina, um rosto familiar surgiu, os olhos castanhos escuros, as sobrancelhas finas e pretas, e os lábios levemente rosados esboçaram um sorriso simpático.

— Xiao Bai? — Li Hua enrugou a testa ao vê-la, se perguntou se algo havia acontecido para tê-la ali naquele momento.

— Estamos esperando tem algumas horas, e o Fu Heng está me irritando com sua carranca horrorosa — fez uma careta enquanto revirava os olhos, Li Hua sorriu — Podemos fazer alguma outra coisa, Vossa Alteza? — Seus olhos pidões imploraram por um alívio do tédio. A princesa endireitou suas costas na parede interna da carruagem, respirou fundo e concordou erguendo—se o suficiente para não bater com a cabeça no teto. Levantou o grosso pano da entrada da carruagem e passando por ele encurvada, ela conseguiu dar uma boa olhada no porto. Endireitou suas costas, sua serva lhe estendeu uma mão para ajudá-la a descer os degraus da carruagem.

O Capitão da Guarda Real Fu Heng, cuja missão foi incumbida especialmente pela própria Rainha Viúva, mudou sua postura imediatamente ao vê-la sair de dentro da carruagem. Seus olhos observavam minuciosamente cada pequeno movimento que os pés da princesa faziam ao descer os degraus. Sua carranca suavizou até que não pudesse ser vista expressão alguma em seu rosto. Totalmente inexpressivo. Com largos passos ele se pôs ao lado contrário de Xiao Bai, e estendeu seu braço para que a princesa pudesse se apoiar nele também.

Li Hua olhou para ele. Os olhos de Fu Heng pareciam brilhar em sua direção, não se sabia se eram olhares de admiração ou de puro desejo. Nem ele soube dizer o que sentia toda vez que a olhava. Ela aceitou sua ajuda. A mão que estava livre, agora segurava o braço direito do Capitão com firmeza.

Com um pequeno salto, Li Hua estava no chão. Suas roupas sacudiram com o seu movimento. O vermelho imperial de sua veste hanfu se tornou hipnotizante. As longas mangas em um degradê pêssego com bordados brancos e prateados destacavam com louvor as flores de cerejeira. O vermelho de sua roupa era apenas um detalhe, a cor dominante era um tom de pêssego. Em sua cintura, acoplada ao seu cinto bordado em uma mistura de cores femininas, havia uma jade esculpida no emblema do Palácio das Mil Flores que balançava com seu movimento infantil. Seus sapatos tocaram a neve fofa e sua respiração podia ser vista com o ar gelado.

Seus cabelos deslizavam por seus ombros, indo e vindo. No topo de sua cabeça, apenas um básico grampo prateado de flores de cerejeira, mantendo um semi coque preso em seu topo.

— Que tal umas compras? — Sugeriu a princesa com um pequeno sorriso nos lábios. Ela não estava interessada nas compras, mas podia ser melhor andar do que ficar enfurnada dentro da carruagem do Palácio Real.

Xiao Bai bateu palmas de forma animada, qualquer coisa era melhor do que ficar parada do lado de fora na companhia do capitão.

***

Sempre houve muita alegria e diversão quando o povo de Han estava junto, mas ao sul do reino, por causa do frio que ascendia do Reino de Yuan, as pessoas eram mais contidas. Eram felizes, isso não mudava, mas eram mais cuidadosas, afinal, além do posto de comando, havia também o porto onde recebiam visitas ilustres. Enquanto a princesa caminhava com sua serva pessoal e o capitão — cada um de um lado —, além das risadas exageradas que escutavam, puderam perceber que havia um tema particular na boca da população local.

— Parece que é verdade mesmo — murmurava um plebeu.

— A Rainha Viúva seria capaz disso mesmo — concordou outro.

Qual era o assunto que passava de lábios em lábios? A princesa tentava entender do que se tratava enquanto caminhava pela rua comercial do porto. O jeito era entrar em uma daquelas lojas à beira da rua e escutar a fofoca sobre a família real.

Li Hua parou em frente a Belíssima Senhorita, uma loja de acessórios femininos. O movimento na loja era grande e sua serva confirmou que aquele local era adequado para comprar qualquer coisa que lhe oferecessem. Com passos apressados e a curiosidade martelando sua cabeça, ela entrou.

— Ouvi dizer que a Rainha Viúva dará um feudo à Primeira Princesa — disse uma senhora, e foi nítida a surpresa daqueles que a escutavam. A princesa deslizava as mãos pelas prateleiras, como se procurasse algo para ela e sua serva fazia o mesmo do lado contrário que estava, seus olhos vagavam disfarçadamente pelas mulheres que escutavam a barbaridade que saía dos lábios daquela velha.

— Mas antes de qualquer outro príncipe? — Questionou outra senhora, sua voz em choque beirava o desespero. — O que isso quer dizer?

Queria dizer que alguém estava colocando um alvo nas costas de Li Hua. Alguém a queria morta. Ela sorriu ao notar o desespero do povo. Algumas mulheres aplaudiam, estavam bramando de felicidade por verem que o reino poderia mudar drasticamente. Mas era impossível para qualquer mulher ascender a uma posição de poder. Nenhuma mulher possui um lugar político mais alto do que a de um homem.

— Impossível. Se a Rainha Viúva, mãe desta nação, dar um feudo a uma mulher… irá desmerecer os príncipes.

”Mãe desta nação? Interessante. ”, pensou Li Hua ao ouvir aquilo. Sua avó não era a Mãe da Nação, sua mãe possuía aquele título. Para aquelas pessoas, e quaisquer outras, dizerem isso só significava uma coisa. Eles não enxergavam a família real da maneira correta. Para uma Rainha Viúva ter tamanha posição ao invés de seu filho, o Rei, era uma bagunça por si só. Quem havia espalhado aquela porcaria? Isso traria problemas inimagináveis. ”Preciso avisar o Terceiro Irmão. ”

Xiao Bai se aproximou da princesa com um grampo de cabelo dourado em suas mãos, seus olhos pequenos a encaravam com admiração e em seus lábios um sorriso simpático e adorável — Prin… — pigarreou sobre o olhar de desaprovação do capitão da guarda ao errar o título em meio ao povo — Jovem Senhorita, veja. O que acha deste grampo dourado? — Li Hua estendeu sua mão e sua serva colocou o acessório em sua palma estendida. Ergueu acima de sua cabeça e viu o brilho da jóia. Era fino e simples.

— É bem bonito, Bai Bai. Mas não é o que procuro.

A menina piscou para a princesa e assentiu voltando a procurar o que quer que fosse. Talvez a fala de sua senhorita serviu apenas para que ficassem por mais tempo dentro da loja de acessórios. As mulheres ainda fofocavam, agora um pouco mais baixo. Com receio de serem ouvidas pelos soldados que patrulhavam do lado de fora, alguém importante estava chegando no porto.

— Eu duvido que uma mulher tenha uma posição privilegiada como essa — a incredulidade escorrendo de sua voz e o medo pelo desconhecido.

— Não seja boba, eu mesma escutei de parentes que vivem na capital que nenhum príncipe é capaz de herdar o trono. São tão incapazes quanto uma mula — um misto de euforia e desespero tomou conta do ambiente. Li Hua sorriu. Aquela informação era valiosíssima. Afinal, quem ordenou que aquilo se espalhasse pelo reino foi ela. Só não esperava que se alastrasse tão rápido quanto fogo.

Fu Heng conteve o sorriso. Sabia que a princesa era uma mulher destemida e inteligente, ela o fascinava. Suas ações o surpreendiam, ele não tinha ideia do que ela poderia ser capaz de fazer, mas nunca duvidou de sua capacidade. Li Hua estava armando alguma coisa. Algo grandioso. Quando seus olhos se encontraram, havia um fogo ardente naquela mulher. Um desejo por poder, e ele iria até o reino celestial por ela — se o reino existisse, é claro.

Fu Heng se aproximou da princesa, abaixou sua cabeça próximo a sua orelha avermelhada pelo frio, e sussurrou: — O que está planejando, Alteza? Por favor, não me deixe de fora.

Os lábios da princesa se curvaram em um sorriso divertido, ela não contaria. Erguendo sua mão e capturando uma mecha do cabelo do capitão ela o puxou levemente para longe fazendo-o a olhar nos olhos novamente. A forma como a princesa o encarava fazia seu coração descompassar — Quando chegar a hora, você saberá — Soltou seu cabelo e lhe deu as costas.

A maciez e o cheiro do cabelo dele foram impregnados em sua mente, ela seguiu para fora da loja. Não iria comprar nada ali. Fu Heng ainda estava paralisado no mesmo lugar. Estavam tão próximos segundos atrás, ele queria aquela proximidade novamente. — Você não vem? — Ela o chamou retirando—o de seu próprio transe.

De volta às ruas, uma agitação ocorria no porto.

— Alteza, o navio chegou — Xiao Bai a avisou. Olhando imediatamente em direção ao porto, viu o navio. Ela o reconheceu imediatamente. Yuan Shi Rong havia chegado.

Com passos lentos tentava inutilmente enxergar o rapaz com quem trocara cartas nos últimos cinco anos. Não o via. Mesmo nas pontas dos pés ela não conseguia vê-lo. Será que ele não cresceu nem um pouco? Ela se lembrava vagamente que era mais alta do que ele anos atrás. Mas muita coisa pode ter mudado. Inclusive seu tamanho.

E então viu um rapaz bem alto descendo do navio. Era ele. Seu coração acelerou no instante em que seus olhos se cruzaram. Os cabelos parcialmente trançados, como tradicionalmente o povo de Yuan utilizava, as peles de ursos e os olhos acolhedores. Era hora de encontrá-lo. Li Hua correu abandonando todos para trás. Fu Heng nem sequer cogitou segui-la, iria direto para as carruagens. Xiao Bai se desesperou, sua senhorita desapareceu rapidamente de sua vista.

Os pés de Li Hua batiam com ferocidade contra a neve fina. A distância entre ela e Shi Rong diminuía a cada passo largo. Finalmente, finalmente o teria em seus braços. Ela ansiava por isso. Os dedos tremiam para tocá-lo. Sua respiração descompassada almejava sentir o cheiro de sua pele e o aroma de seus longos cabelos. Ela o queria ao seu lado e em sua cama. Reconhecia o desejo ardente que seu corpo aspirava.

Quando estava a alguns passos de distância, Yuan Shi Rong abriu os braços, o sorriso em seus lábios a convidava para muitas aventuras, risadas e outras promessas adoráveis. Li Hua se jogou em seus braços abertos, seus corpos colidiram, e Shi Rong os manteve de pé. Força alguma os lançaria para o chão. Não quando ele estava preparado para pegá-la.

Ela o cercou com os braços ao redor de seu pescoço, enquanto ele apertava sua cintura com força. A princesa deslizou uma de suas mãos para tocar o cabelo do rapaz, acariciando-o ali, seu rosto descansando na curva do pescoço dele e aspirando seu cheiro amadeirado. E ele fez o mesmo, seguindo cada passo, mas Shi Rong era um pouco mais abusado do que ela. Sem conter um sorriso, o príncipe deixou uma trilha de beijos pelo pescoço da princesa até a sua orelha, fazendo-a arrepiar. Se seguraram um pouco mais ali, antes de se separarem. Bom, seus corpos ainda estavam colados um no outro, mas agora podiam se encarar.

— Eu senti a sua falta, Ronger — sussurrou ela, o apelido tão íntimo o fizera corar. Ela descolou seus corpos para olhar o quanto ele mudou — Eu não acredito que cresceu tanto — riu consigo mesma. Suas mãos estenderam até o topo de sua cabeça, apenas para comprovar o que disse. Ele havia crescido.

Ele olhou para a mão dela que ainda o media. Com um pequeno sorriso ele agarrou aquela mão e a levou até os lábios, deixando um beijo gentil nas costas de sua mão. O rubor tomou conta do rosto da princesa.

Com a mão ainda em seus lábios ele disse: — Eu também senti a sua falta, Huaer. Você não tem ideia do quanto.

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